Especialista afirma que atividade física melhora desempenho do estudante e espera aumento da carga horária da Educação Física

30/09/2016 23:11


  • Coordenador do maior estudo sobre sobre atividade física global durantes os chamados ciclos olímpicos, Pedro Hallal defende mudanças profundas no ensino da educação física. O mesmo Brasil do show na Olimpíada do Rio protagoniza um espetáculo fracassado quando o assunto é o ensino da educação física. Mais do que combater o epidêmico sedentarismo, a meta deveria ser aumentar o rendimento escolar, afirma Hallal, que é professor de saúde pública da Universidade de Pelotas (RS). Nesta entrevista, ele também critica a Medida Provisória anunciada pelo governo federal para reformar o ensino médio. Entre outras propostas, a MP abre uma brecha para que a educação física - assim como artes, sociologia e filosofia - deixe de ser disciplina obrigatória na etapa final da formação escolar.

Como o senhor vê as mudanças propostas para o ensino médio?

São completamente equivocadas. Defendemos intensificar a educação física. E não apenas no ensino médio, mas, sobretudo, no fundamental. O mínimo deveria ser de três aulas semanais de educação física nos dois ciclos. E aulas diferentes das oferecidas hoje, capazes de levar ao engajamento dos estudantes.

Por que a educação física é tão importante?

Todo mundo pensa na saúde. São lembrados o combate ao sedentarismo, a prevenção da obesidade e de doenças metabólicas, como o diabetes, ou cardiovasculares. Mas, na verdade, isso tudo é secundário. E me incomoda muito. O ganho cognitivo é muito mais importante.


A educação física aumenta o rendimento escolar?

Definitivamente sim. Numerosos estudos já mostraram isso. Há evidências em exames de ressonância magnética, testes de QI e desempenho escolar. A atividade física estimula a atividade neuronal, melhora o desempenho dos alunos em disciplinas como matemática. De fato, em todas as disciplinas. O estudante fisicamente ativo aprende melhor.

Mas existe um mito enraizado de que os melhores alunos não são os que fazem esporte. Por que ele persiste?

Por ignorância. Realmente há o mito de que os alunos mais inteligentes e capazes são aqueles de perfil "intelectual", que não são ativos. Isso não é verdade. As pesquisas mostram exatamente o contrário. Ser inativo é estar aquém do possível.

Mas não é só esporte, certo?

Sim. Esse é outro problema. As pessoas confundem esporte com atividade física. É uma das graves deficiências do ensino da educação física no Brasil. Você não precisa ser um desportista. Mas precisa ser fisicamente ativo.


Como a educação física estimula a cognição e o desempenho escolar?

A atividade física estimula fatores envolvidos na plasticidade e no desenvolvimento do cérebro. O exercício aumenta a formação de neurônios e a concentração de substâncias chamadas fatores neurotróficos, que têm papel crucial na performance intelectual. Além disso, melhora o fluxo de sangue e a oxigenação do cérebro. Por isso, o exercício é benéfico para a atenção, o processamento de informações e a memória.

Isso é fundamental na adolescência, não?

Sim. A atividade física pode melhorar a cognição na adolescência, quando o cérebro tem profunda plasticidade.

Quais os prejuízos para os adolescentes sedentários?

Eles perdem estímulos essenciais para o aprendizado e a performance intelectual.

O seu grupo propõe mudanças na educação física dos ensinos fundamental e médio. Que mudanças são mais importantes?

A primeira é ter na legislação a obrigatoriedade de três aulas de educação física no ensino fundamental e médio em todo o país. Feito isso, diversificar o conteúdo das aulas, hoje restritas a poucos esportes sem contemplar as cinco principais dimensões: esporte, ginástica, lutas, dança e jogos. Diversificar as aulas já traria uma evolução bárbara para a população escolar brasileira, fazendo com que muitos jovens voltassem a participar.

E o que é necessário além de mudanças no currículo básico?

Precisamos investir em infraestrutura, hoje quase sempre precária. E, principalmente, valorizar os professores, que recebem salários incompatíveis com a importância social de seu trabalho. E precisa haver progressão de conteúdo.

Como deveria ser a progressão de conteúdo?

É inadmissível que não haja uma progressão clara de conteúdos. No fundamental, a coordenação motora deve ser priorizada. A ginástica pode ficar mais para frente, e os jogos podem começar cedo. No ensino dos esportes, por exemplo, os aspectos táticos normalmente devem ser ensinados depois dos aspectos técnicos. A definição do momento de ensinar regras devem manter a lógica. E os programas devem respeitar as especificidades culturais das escolas.

Quando se fala na questão da saúde, se prioriza a obesidade e doenças cardiovasculares, mas há outros benefícios. Poderia dar mais exemplos?

Além do já destacado desenvolvimento cognitivo, há a prevenção da depressão, mais frequente em crianças e adolescentes do que se imagina. Jovens ativos têm menor risco de desenvolverem depressão. Há a saúde óssea, pessoas ativas têm menor risco de contraírem osteoporose na idade adulta. E há a socialização, os jovens ativos tendem a se relacionar melhor com seus colegas.

Por que os estudantes não se sentem motivados? Como mudar isso?

A falta de diversidade é um desestímulo. Se aumentarmos a diversidade das aulas, temos convicção de que os estudantes estarão mais motivados. Nem todo jovem tem habilidade ou interesse por futebol ou queimada, mas muitos deles adorariam aulas deslackline, hip-hop ou capoeira, só para citar alguns exemplos pouco trabalhados na escola hoje.

Que países no mundo são exemplos positivos do ensino da educação física?

O Canadá normalmente é citado com o melhor exemplo. Há um forte investimento governamental, o que facilita o dia a dia da disciplina na escola. Mas o Brasil pode partir de seu próprio exemplo, modificando a legislação em favor de três aulas obrigatórias por semana, valorizando os profissionais trabalhadores, investindo em infraestrutura, diversidade e progressão de conteúdos.


Fonte: O Globo 

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